Quantas vezes sacrificamos nossa paz e tranquilidade em nome do amor? Quantas vezes saímos do nosso conforto espiritual e nos jogamos no pântano da frieza humana por acreditarmos na essência e salvação de alguém? Quantas vezes ouvimos o que não gostaríamos, lemos o que não queríamos, vemos o que não desejaríamos ver? Quantas vezes gastamos nossas energias tentando alegrar alguém, mesmo quando temos nossos próprios problemas para resolver? Quantas vezes perdemos noites de sono orando por alguém? Quantas vezes choramos a dor do outro em silêncio? Quantas vezes fazemos tudo isso para mostrar Deus e, em troca, recebemos frieza, incredulidade, indiferença, escárnio?
Oscar Wilde, no conto “O rouxinol e a rosa” (The nightingale and the Rose, 1888), ilustrou, de maneira brilhante e profícua, essa situação vivida por muitos cristãos. O escritor irlandês narra a história de um estudante que precisava de uma flor. O jovem chorava por amor, pois a amada só aceitaria acompanhá-lo ao baile se ele lhe trouxesse uma rosa vermelha. Era essa a condição para tê-la em seus braços. Mas era inverno, não havia rosas vermelhas. O rouxinol sensibilizou-se com aquelas lágrimas, afinal, noite após noite, ele cantava a paixão e, só agora, podia vê-la no choro de um homem. O pássaro compreendia a dor do rapaz, pensava no mistério do amor e concluiu, então, que esse era um sentimento realmente valioso e nada poderia comprá-lo, não estava a venda em lugar algum.
O rouxinol decidiu ajudá-lo e saiu em busca da flor, mas não a encontrou. A roseira estava com as veias congeladas e sem possibilidade de brotar, mas o pássaro insistia. “Se queres uma rosa vermelha”, disse a Roseira, “tens de criá-la com tua música ao luar, e tingi-la com o sangue de teu coração. Tens de cantar para mim apertando o peito contra um espinho. A noite inteira tens de cantar para mim, até que o espinho perfure teu coração e teu sangue penetre em minhas veias, e se torne meu.” O Rouxinol pensou: “O que é o coração de um pássaro comparado ao coração de um homem?” O pássaro foi até sua morada e cantou para seu amigo carvalho pela última vez. O estudante, ao ouvir a música, chegou a pensar que um rouxinol nada sabe, nada sente, é egoísta em sua melodia, incapaz de se sacrificar. É que o estudante, conhecedor de toda a filosofia, não compreendia a linguagem do rouxinol que cantava seu sacrifício, enquanto se despedia da árvore onde estava seu ninho.
Então cravou seu peito no espinho da Roseira. Ele cantava, cantava, cantava e comprimia o peito delicado e frágil contra o espinho que perfurava sua carne. E quanto mais ele se aproximava, mais a roseira pedia sangue para suas veias de planta. Pétala por pétala, a flor nascia. Mas ainda não era o suficiente, era preciso dar tudo de si. Era preciso tingi-la com o sangue escarlate de seu coraçãozinho. O dia amanhecia e o rouxinol desfalecia. Cantou pela última vez em sua vida enquanto seu coração era transpassado, perfurado e despedaçado em nome do amor. Debateu-se em agonia fúnebre e a canção acabou. A mais bela rosa vermelha estava pronta.
Pela manhã, o estudante encontrou a rosa e saiu saltitante para entregá-la à bela mocinha por quem se enamorara. Mas ela não quis a doçura de pétalas coloridas com sangue sacrificial, ela preferia joias. Ela iria com outro jovem ao baile, porque as flores de nada valem. O jovem, desiludido com o amor, jogou a rosa em uma sarjeta qualquer para ser destroçada pelas rodas de uma carroça.
Muitas vezes somos esse rouxinol que, em nome do que acredita, sangra, sofre e comprime o peito contra espinhos que entram na carne. Às vezes, somos a flor pisada e desvalorizada, trocada por uma joia que não foi forjada a sangue. Às vezes, somos o estudante que ignora o sacrifício do rouxinol e se desilude com o mundo. Somos como ele e ignoramos o sacrifício de nossos pais, cônjuges, amigos, companheiros de guerra e de paz.
Cristo é o nosso maior Rouxinol. Ele cravou espinhos no próprio corpo para nos dar a flor da salvação. Em pleno inverno espiritual, na frieza, no brejo das almas perdidas, Jesus nos deu uma rosa escarlate. Como diria o poeta Drummond, “garanto que uma flor nasceu... furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”, nos deu esperança. Qual não deve ser a tristeza do Salvador ao perceber que muitos são como o estudante. Muitos jogam a flor fora e desprezam o sacrifício. O rouxinol morreu em vão?
Não. Ele vive em cada um de nós. E, quando nós somos o rouxinol, quando nós sangramos, é para salvar alguém da própria tristeza. Por isso aguentamos a dor e o desprezo. Assim como Cristo chorou a morte de Lázaro e a incredulidade do povo, nós choramos a falta de fé de quem amamos. Mas mesmo que nossa flor fique jogada, ainda assim vale a pena. Deus é fiel para concluir a obra que começou e fará, em algum momento, o estudante enxergar a rosa no chão e aceitar a salvação.
(Elisabete Ferraz Sanches, professora graduada em Letras pela USP, pós-graduada em Português: Língua e Literatura pela UniSant’Anna e mestranda em Literatura Brasileira pela USP)
Oscar Wilde, no conto “O rouxinol e a rosa” (The nightingale and the Rose, 1888), ilustrou, de maneira brilhante e profícua, essa situação vivida por muitos cristãos. O escritor irlandês narra a história de um estudante que precisava de uma flor. O jovem chorava por amor, pois a amada só aceitaria acompanhá-lo ao baile se ele lhe trouxesse uma rosa vermelha. Era essa a condição para tê-la em seus braços. Mas era inverno, não havia rosas vermelhas. O rouxinol sensibilizou-se com aquelas lágrimas, afinal, noite após noite, ele cantava a paixão e, só agora, podia vê-la no choro de um homem. O pássaro compreendia a dor do rapaz, pensava no mistério do amor e concluiu, então, que esse era um sentimento realmente valioso e nada poderia comprá-lo, não estava a venda em lugar algum.
O rouxinol decidiu ajudá-lo e saiu em busca da flor, mas não a encontrou. A roseira estava com as veias congeladas e sem possibilidade de brotar, mas o pássaro insistia. “Se queres uma rosa vermelha”, disse a Roseira, “tens de criá-la com tua música ao luar, e tingi-la com o sangue de teu coração. Tens de cantar para mim apertando o peito contra um espinho. A noite inteira tens de cantar para mim, até que o espinho perfure teu coração e teu sangue penetre em minhas veias, e se torne meu.” O Rouxinol pensou: “O que é o coração de um pássaro comparado ao coração de um homem?” O pássaro foi até sua morada e cantou para seu amigo carvalho pela última vez. O estudante, ao ouvir a música, chegou a pensar que um rouxinol nada sabe, nada sente, é egoísta em sua melodia, incapaz de se sacrificar. É que o estudante, conhecedor de toda a filosofia, não compreendia a linguagem do rouxinol que cantava seu sacrifício, enquanto se despedia da árvore onde estava seu ninho.
Então cravou seu peito no espinho da Roseira. Ele cantava, cantava, cantava e comprimia o peito delicado e frágil contra o espinho que perfurava sua carne. E quanto mais ele se aproximava, mais a roseira pedia sangue para suas veias de planta. Pétala por pétala, a flor nascia. Mas ainda não era o suficiente, era preciso dar tudo de si. Era preciso tingi-la com o sangue escarlate de seu coraçãozinho. O dia amanhecia e o rouxinol desfalecia. Cantou pela última vez em sua vida enquanto seu coração era transpassado, perfurado e despedaçado em nome do amor. Debateu-se em agonia fúnebre e a canção acabou. A mais bela rosa vermelha estava pronta.
Pela manhã, o estudante encontrou a rosa e saiu saltitante para entregá-la à bela mocinha por quem se enamorara. Mas ela não quis a doçura de pétalas coloridas com sangue sacrificial, ela preferia joias. Ela iria com outro jovem ao baile, porque as flores de nada valem. O jovem, desiludido com o amor, jogou a rosa em uma sarjeta qualquer para ser destroçada pelas rodas de uma carroça.
Muitas vezes somos esse rouxinol que, em nome do que acredita, sangra, sofre e comprime o peito contra espinhos que entram na carne. Às vezes, somos a flor pisada e desvalorizada, trocada por uma joia que não foi forjada a sangue. Às vezes, somos o estudante que ignora o sacrifício do rouxinol e se desilude com o mundo. Somos como ele e ignoramos o sacrifício de nossos pais, cônjuges, amigos, companheiros de guerra e de paz.
Cristo é o nosso maior Rouxinol. Ele cravou espinhos no próprio corpo para nos dar a flor da salvação. Em pleno inverno espiritual, na frieza, no brejo das almas perdidas, Jesus nos deu uma rosa escarlate. Como diria o poeta Drummond, “garanto que uma flor nasceu... furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio”, nos deu esperança. Qual não deve ser a tristeza do Salvador ao perceber que muitos são como o estudante. Muitos jogam a flor fora e desprezam o sacrifício. O rouxinol morreu em vão?
Não. Ele vive em cada um de nós. E, quando nós somos o rouxinol, quando nós sangramos, é para salvar alguém da própria tristeza. Por isso aguentamos a dor e o desprezo. Assim como Cristo chorou a morte de Lázaro e a incredulidade do povo, nós choramos a falta de fé de quem amamos. Mas mesmo que nossa flor fique jogada, ainda assim vale a pena. Deus é fiel para concluir a obra que começou e fará, em algum momento, o estudante enxergar a rosa no chão e aceitar a salvação.
(Elisabete Ferraz Sanches, professora graduada em Letras pela USP, pós-graduada em Português: Língua e Literatura pela UniSant’Anna e mestranda em Literatura Brasileira pela USP)
(Criacionismo)
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