segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

A volta da mordaça insensível

No dia de Natal deste ano, o jornal O Estado de S. Paulo, o Estadão, completará 147 dias de amordaçamento pela censura. O jornal publicaria uma investigação contra Fernando Sarney, ligado ao senador José Sarney, mas foi proibido pela Justiça. O que se esperava era que o jornal publicasse e, caso houvesse informações falsas e caluniosas, ele fosse punido pela Código Civil e Penal por difamação. Isso não aconteceu, porém, houve censura prévia, o Estadão foi proibido de publicar suas investigações e o dia 25 será o 147º em que o jornal está amordaçado.

É lamentável saber que muitos jornais pequenos já foram amordaçados por prefeitos e políticos corruptos que conseguiram controlar juízes, mas, considerando a grande influência do Estadão e a magnitude do conflito, esperava-se que o amordaçamento da imprensa fosse desfeito em grande estilo no STF. Só que, infelizmente, foi confirmado!

A Lei de Imprensa foi revogada, vivemos sob um regime democrático e podemos assistir na TV ou no cinema a documentários recordando os sofrimentos de heróis anônimos que perderam posses, posições e até a vida para que chegássemos até aqui. Lembrando as manifestações da Cinelândia no Rio de Janeiro (onde se dizia: mataram um menino de 15 anos, amanhã podem matar seu filho), o movimento Diretas Já, a emenda Dante de Oliveira (do voto livre) e as lutas para que ela se tornasse uma realidade, as manifestações ousadas dos estudantes de Direito do Largo São Francisco e da PUC de São Paulo; é inacreditável mas a MORDAÇA sobre a livre imprensa tenha voltado. Acredite: ELA VOLTOU!

O caso chegou ao STF, mas, no dia 9 de dezembro, o Estadão foi derrotado pelo placar de 6 x 3. A mordaça imposta ao jornal pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) permanece.

O STF já derrubou a Lei de Imprensa, mas os seis juízes (Cezar Peluso, Ellen Gracie, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Eros Grau e José Dias Toffoli) acham que a proibição do jornal O Estado de S. Paulo de publicar fatos comprovados de desvio de dinheiro público não tem nada a ver com isso e deve ser mantida (?).

Os Magistrados Carmen Lúcia, Carlos Ayres Britto e Celso de Mello protestaram e lamentaram a decisão dos colegas de tribunal. Extremamente lúcida, histórica e, acima de tudo, extremamente de acordo com a Constituição brasileira foram os argumentos do experiente e decano Celso de Mello, o mais antigo membro da corte. Transcrevemos alguns trechos abaixo, extraídos de O Estado de S. Paulo de 10/12/2009:

“Ao proferir o seu voto, o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, remontou ao período do Império, se referiu a convenções internacionais e lembrou decisões dos próprios colegas para repudiar, do começo ao fim de sua fala, a proibição imposta ao Estado. ‘A censura traduz a ideia mesma da perversão das instituições democráticas, em um regime político onde a liberdade deve prevalecer’, disse. Para ele, a mordaça é um ‘retrocesso político-jurídico’, que devolve o País ‘ao período colonial’.

“O ministro recordou a apreensão do Estado na madrugada de 13 de dezembro de 1968, com a entrada em vigor do Ato Institucional nº 5 (AI-5), e citou o editorial ‘Instituições em Frangalhos’, mantido pelo diretor e proprietário do jornal, apesar das pressões dos militares. ‘Julio de Mesquita Filho publicou um editorial, eu mesmo tive acesso a ele. A edição foi apreendida pelos órgãos de repressão.’

“Mello destacou que a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) só impede o Estado de exercer a sua função, enquanto os demais veículos trabalham normalmente. ‘Outros órgão s de comunicação social continuam divulgando e não sofreram essa interdição. Portanto, essa interdição é também, além de arbitrária, além de inconstitucional, uma decisão discriminatória. E incide sobre um órgão da imprensa que, já no final do Segundo Reinado, então A Província de São Paulo, fez da causa da República um de seus grandes projetos.’

“Ao traçar um paralelo com os anos de chumbo, Mello fez um alerta: ‘Entendo particularmente grave e profundamente preocupante que ainda remanesçam, sim, no aparelho de Estado, determinadas visões autoritárias que buscar justificar, pelo exercício arbitrário do poder geral de cautela, a prática ilegítima da censura.’

“Ainda de acordo com o ministro, ‘quase todas as Constituições do Brasil expressamente repudiaram a censura’. ‘Contavam com uma cláusula de veto explícito’, completou.

“Mello começou o seu voto dizendo que ontem se celebrava uma data histórica – ‘61º aniversário da promulgação, em Paris, pelas Nações Unidas, da Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana’.

“‘O artigo 19 do estatuto contempla direito à liberdade de opinião e expressão. Inclusive a prerrogativa de procurar, de receber e de transmitir informações e ideias’, acrescentou.

“O decano do tribunal referiu-se, depois, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, aprovado em 1966, ‘sob a égide das Nações Unidas’. Fez, por fim, referência ao Pacto de São José da Costa Rica, firmado em 1969, ‘tão temido pelo regime militar’, que ‘proclama, em seu artigo 13, que toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão’.

“Segundo o ministro, todos esses tratados foram endossados pelos colegas de Supremo no julgamento que derrubou a Lei de Imprensa, em 30 de abril. Em seguida, ele lembrou o escritor inglês John Milton. Em discurso pela liberdade de imprensa, no Parlamento da Inglaterra, após destacar a absoluta inutilidade da censura, salienta: ‘A censura obstrui e retarda a importação da nossa mais rica mercadoria, que é a verdade’.”

“A liberdade de informação, portanto, tem um aspecto nuclear em nosso sistema jurídico”, insistiu Mello, na leitura do voto. “O cidadão tem a prerrogativa de receber informações sem qualquer obstrução, sem qualquer interferência por qualquer órgão de poder público, seja do Poder Executivo, seja do Poder Legislativo, seja do Poder Judiciário.”

Depois de argumentos contundentes e brilhantes como esses do Ministro Celso de Mello serem rejeitados pelos outros seis magistrados, resta perguntar: Por que o Judiciário teme lutar contra a mordaça? Por que será que neste caso e em outros, como o quesito de liberdade religiosa em favor dos sabatistas no Enem, o Judiciário brasileiro abdicou do seu posto de guardião da Constituição? Até quando o Brasil será amesquinhado por leis e tribunais parciais e exclusivistas? A que interessa ao Brasil combater a liberdade de opinião, informação ou religião?

A única esperança é que a mordaça, como outras correias da tirania do passado, possa e seja arrebentada. Resta-nos saber como e através de que lutas os guerreiros conseguirão fazer tal grande proeza. Quem serão esses guerreiros?

(Silvio Motta Costa, professor da rede pública em Campinas, SP)

(Criacionismo)

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