segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O poder da experiência

“A alma farta pisa o favo de mel, mas à alma faminta todo amargo é doce”, já dizia Salomão. De fato, para uma alma sedenta, um simples “bom dia” faz o dia. Porém, quando essa mesma alma está farta, pode desprezar as mais belas e ricas palavras de amor e sabedoria. É o poder da experiência. Não por acaso, é pelas chamadas “experiências” que a ciência comprava, empiricamente, suas teorias. Walter Benjamin conta, em A Omelete de Amoras, que certa vez um rei, com todos os poderes e tesouros da Terra, se sentia infeliz e a cada ano ficava mais melancólico. Um dia, chamou seu cozinheiro e disse: “Quero que você me dê uma última prova de sua arte. Você deve me preparar uma omelete de amoras igual àquela que eu comi há cinquenta anos, na infância. Naquele tempo, meu pai tinha perdido a guerra e nós fugimos, viajamos dia e noite pela floresta, e acabamos nos perdendo. Famintos e cansados, chegamos a uma cabana onde morava uma velhinha que nos acolheu. Preparou para nós uma omelete de amoras, quando a comi, fiquei maravilhado: a omelete era deliciosa e me trouxe novas esperanças ao coração. Na época, eu era criança e não dei importância ao fato. Já no trono, vasculhei todo o reino, porém, não a localizei. Agora, quero que você faça uma omelete de amoras igualzinha. Se você conseguir, eu lhe darei ouro, será meu herdeiro e sucessor no trono. Se você não conseguir, entretanto, mandarei matá-lo.”

Então, o cozinheiro falou: “Senhor, pode chamar o carrasco. Conheço todo o segredo da preparação de uma omelete de amoras. Conheço as palavras mágicas que devem ser pronunciadas. Mas não me impedirá de ser executado, porque a minha omelete jamais será igual à da velhinha. Ela não terá o sabor picante do perigo, a emoção da fuga, não será comida com o sentido alerta do perseguido, não terá a doçura inesperada da hospitalidade calorosa, não terá o sabor do presente estranho e do futuro incerto.” O rei ficou calado durante algum tempo. Não muito mais tarde, consta que o rei lhe deu muitos presentes, tornou-o um homem rico e despediu-o do serviço real.

É o poder da experiência. Muitos ateus criticam os teístas e vice-versa. Cada um com sua verdade estabelecida e defendendo seu ponto de vista que sempre, sempre será subjetivo. Questão de perspectiva. A “letra mata, mas o espírito vivifica”, assim sendo, cada indivíduo lerá o mundo e o entenderá de acordo com o “estado de espírito” que lhe foi dado. Para cada um haverá “uma omelete de amoras” e sua percepção será mudada pelas experiências por que passou. O ser humano é racional, porém, mesmo a racionalidade está transpassada pela subjetividade de cada pessoa. Essa afirmação não é de teoria teísta, mas de ateus. Não somos computadores ou máquinas, somos seres humanos. Muitos ateus ainda se converterão, e é possível que muitos teístas mudem seu caminho.

O que determinará tal escolha? A experiência e a perspectiva escolhida em relação a ela. Muitos consideram o Cristianismo uma imposição do imperador Constantino por interesses políticos e que, portanto, seria mais uma farsa da fé. Essa é uma perspectiva. Se a Bíblia foi escrita por homens, todo e qualquer enunciado também foi. Consequentemente, sua credibilidade não está abaixo de qualquer documento histórico-científico, afinal, este também foi escrito por homens, com técnicas de homens. Por que a Bíblia é vista como uma grande mentira e os outros documentos como verdades absolutas? Porque, segundo dizem, foi um livro compilado por pessoas com interesses escusos? E os outros documentos, mesmo os que rebatem a Bíblia, estão isentos de interesses escusos, imaculados e ilibados de intenções subjetivas? Essa é uma perspectiva, e uma teoria que pode ou não ser creditada.

Então, será que Deus realmente não existe e somos levados por impulsos pessoais e desequilíbrio emocional a “inventar” um Deus invisível para nos sentirmos amparados por mãos que não vemos? Para os ateus, essa é a verdade racional e óbvia (embora não seja plausível pensar que os crentes sejam pessoas desequilibradas emocionalmente, todo ser humano passa por momentos de desequilíbrio, independentemente do seu credo). E os teístas, podem criticar isso? Não. É questão de escolha, perspectiva, fé. Evidências? Sim, há evidências e discursos muito bem elaborados por teístas e ateus. De qual lado ficar? Questão de perspectiva. Agnósticos, ateus e teístas são os mesmos humanos com seus erros, acertos, com sua fé direcionada a caminhos diferentes.

Se os teístas são “melhores” do que os ateus e com melhor conduta? Não. “Examine o homem a si mesmo”, há muitos ateus honestos e honrados que, embora não acreditem em um ser Superior, possuem fé em valores Superiores, na ética moral, na filosofia humanista. Da mesma forma, há “cristãos” que, embora acreditem em Deus, são corruptos e hipócritas, como os fariseus da época de Cristo, para vergonha do evangelho. Não há separatismo nem generalizações, não deve haver. Cada homem é único e responde por suas atitudes, crenças e condutas. Cada homem busca felicidade a sua maneira. Por que, então, os cristãos teimam em converter os ateus? Porque descobriram um caminho, porque comeram uma “omelete de amora” e gostariam de dividir com todos. Os ateístas, por sua vez, acreditam que estamos cegos e tentam nos mostrar a luz, nos tirar da caverna da fé teísta para a fé ateia. Esse tem sido, talvez, o grande erro de teístas e ateus: a digladiação. Seja como for, ambos querem se ajudar, mas nada nem ninguém poderá substituir o poder da vivência pessoal.

Evidente que nos falta sabedoria em muitos momentos, não percebemos a força da experiência e o quanto ela é fundamental. O apóstolo Paulo jamais teria sido quem foi se não fosse a experiência pela qual passou quando se dirigia a Damasco. Muitos se converteram porque receberam um milagre, que os ateus atribuem a causas naturais. Muitos se tornaram ateus porque foram desrespeitados ou molestados por religiosos e, inconscientemente, culpam a Deus ou à inexistência dEle, ao invés de culpar o próprio homem pelas suas condutas deploráveis. Cada um escolhe o ângulo para observar o mundo, escolhe seu caminho. Será ateu, agnósticos ou teísta de acordo com uma experiência, uma perspectiva. E mesmo aqueles que dizem seguir simplesmente a razão, há uma razão subjetiva para as escolhas objetivas. Freud, um grande ateu, dizia que “o homem é cego diante do próprio desejo”, seja ele qual for, teísta ou não.

(Elisabete Ferraz Sanches, professora graduada em Letras pela USP, pós-graduada em Português: Língua e Literatura pela UniSant’Anna e mestranda em Literatura Brasileira pela USP)
(Criacionismo)

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