Vez ou outra o Santo Sudário, mortalha identificada por alguns como o pano que cobriu Jesus após sua morte, é pautado pela imprensa, especialmente em datas de interesse cristão, como a Páscoa. Por isso, na semana passada, diversas matérias sobre a reconstituição do rosto do defunto envolto na relíquia ganharam destaque, dentre elas uma veiculada no Fantástico do último domingo. Para saber um pouco mais sobre o que há de concreto e sensacionalista nessa discussão, conversei com o professor Rodrigo Silva, doutor em Novo Testamento, especialista em Arqueologia Bíblica pela Universidade Hebraica de Jerusalém e curador do Museu Paulo Bork do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp), onde também leciona no curso de Teologia. Ele, que apresenta o programa
Evidências da TV Novo Tempo, explica por que é cético em relação ao sudário e se a imagem imortalizada que temos de Jesus tem respaldo histórico.
1) Apesar de a autenticidade do Santo Sudário já ter sido seriamente questionada, por que a relíquia é pauta recorrente?
O que temos são modismos sensacionalistas. Por exemplo, quando em 1980 três laboratórios mostraram, a partir do teste de carbono 14, que o pano era da Idade Média, o descrédito veio a tona na mídia. Em 2005, quando a Igreja Católica declarou que o pano submetido a exame, por engano, fora apenas um remendo feito no sudário por freiras na Idade Média, a questão voltou ao noticiário. A seguir, em 2009, quando um sudário autêntico do primeiro século foi encontrado numa tumba em Jerusalém, a comparação com o sudário de Turim novamente lançou dúvidas sobre o assunto. Mas, vale lembrar que, a veracidade do sudário não foi o tema da matéria do Fantástico e sim a reconstituição do rosto do suposto morto envolvido no pano.
2) O senhor se considera um crítico ou no mínimo um desconfiado em relação à mortalha. Por quê?
Apesar de crer na ressurreição literal de Jesus, não aprecio a fabricação de argumentos para consubstanciar minha fé. A legitimidade ou não do Santo Sudário, não me faz mais nem menos crente acerca da historicidade da ressurreição. Além disso, as investigações sobre a peça ficaram restritas a Igreja Católica, o que dificulta a credibilidade da pesquisa. Mesmo assim, o grupo que investigou um pedaço do pano, sob a tutela da Igreja, teve resultados muito contraditórios, sem contar os outros três laboratórios que dataram a "relíquia" como pertencendo à Idade Média. Logo, do ponto de vista científico ou acadêmico há muito pouco o que dizer sobre um objeto que não está disponível para investigação.
3) E o que de concreto pode haver contra a autenticidade do sudário?
Alguns fatores, entre eles, a não comprovação de que o sangue contido no pano seja humano. E ainda que seja de um homem, intriga porque o sangue fresco em contato com o lençol deixaria um borrão e não a marca de um tênue escorrimento. Em segundo lugar, se o corpo de Jesus foi levado envolto no lençol desde a cruz até o túmulo, a caminhada apressada dos discípulos provocaria marcas de transporte no tecido. Essas marcas não existem. Em terceiro lugar, a Bíblia, no texto de João 19:38 a 20:7, menciona que Jesus foi envolto em "lençóis", no plural. E indica também que um dos panos estaria envolvendo apenas a cabeça. Essa descrição contraria a teoria do sudário, por ser uma peça única.
4) E quanto à posição do corpo?
As mãos do defunto sobre a pélvis é no mínimo suspeita. Segundo o costume judeu, os corpos tinham os braços estendidos do lado do corpo ou ajeitados junto ao dorso (a cabeça também era virada para um dos lados). No caso do sudário, as mãos foram delicadamente colocadas sobre o baixo-ventre, como se estivesse cobrindo a nudez do defunto, imagem que parece evocar o puritanismo artístico-medieval. Outra suspeita é a suposta moeda romana vista nos olhos do corpo, demonstrando mais uma prática da Idade Média do que dos tempos do Novo Testamento. E por fim, chamo atenção para o silêncio da Bíblia em relação ao sudário. Se ele fosse autêntico teria sido mencionado pelos discípulos ou críticos de Jesus.
5) No decorrer dos séculos, a figura de um homem alto, com barba e cabelos longos foi praticamente imortalizada como a imagem de Jesus. É possível precisar quando Cristo começou a ser retratado dessa forma e por quê?
Até o início do quinto século praticamente não havia representações artísticas da cruz e da crucificação. Os primeiros cristãos pareciam pouco inclinados a destacar visualmente a morte humilhante do filho de Deus, preferindo retratá-lo em vida como amigo, senhor e protetor. Mas é no período bizantino que se começa a explorar mais as feições faciais de Cristo, de um Jesus com barbas e cabelos longos. Porém, segundo Irineu de Lion, um escritor da Igreja Cristã que viveu no 2º século depois de Cristo, ou seja, muito mais próximo das fontes apostólicas, as descrições feitas em sua época sobre Jesus eram completamente equivocadas. Santo Agostinho de Hipona, por sua, escreveu no começo do 5º século que ignorava completamente as descrições artísticas feitas de Jesus. Talvez, sua fala fosse uma condenação a riqueza e ostentação manifestadas por um cristianismo que dava as mãos para o império romano e se distanciava cada vez mais da simplicidade dos primeiros seguidores de Cristo.
6) O que a Bíblia e os escritos dos primeiros cristãos dizem sobre a aparência física de Jesus?
Na Bíblia, não encontramos um “retrato falado de Jesus”, porém, se aliarmos sua leitura às informações arqueológicas disponíveis, é possível encontrar ali poucas, porém, razoáveis possibilidades. Inquestionavelmente ele era um semita, e como os povos que habitavam ao sul do Mediterrâneo, deveria se distinguir dos gregos e romanos pela cor azeitonada da pele, olhos negros, cabelo escuro, nariz arqueado e estatura mediana. Pelo trabalho pesado que exercia como carpinteiro (não de móveis, mas no corte de pedras e de madeiras para a construção de casas), e por conseguir carregar a cruz por um bom trajeto, Ele deveria ter um físico musculoso.
7) Há poucos anos, uma pesquisa feita com base no crânio de um judeu do primeiro século sugeriu uma face morena e mais arredondada para Cristo, bem distinta da tradicional. Seria essa mais próxima da real? Veja o
vídeo sobre a pesquisa.
O próprio professor Richard Neave, da Universidade de Manchester, que comandou a pesquisa, admitiu que essa tentativa forense também tem suas limitações. Questões como cor da pele e dos olhos, forma e tamanho do cabelo e certas cartilagens exteriores são fruto exclusivo da imaginação do especialista, o que torna o resultado parcialmente artístico e não 100% científico como se supõe. Ademais, Neave usou o crânio de um judeu e não faria sentido pensar que todos os contemporâneos de Jesus eram parecidos.
Por Wendel Lima
Para saber +
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Evidências, volumes 1 e 2, com 16 programas cada
Livro
Escavando a verdade, do Dr. Rodrigo Silva (CPB)